segunda-feira, 30 de março de 2009


E de novo eu acordava, num domingo nublado. Coração vazio. Auto-estima zero. Nada.
Não abri as janelas, portas trancadas. Cortinas e blackouts fechados ao máximo. Eu tinha vontade mesmo era de mofar, apodrecer em uma cadeira bege desconfortável – que fazia minha coluna doer.
Mas afinal, eu havia partido ou não? Estava agindo como uma pessoa cansada de sua realidade, não como uma que acabava de inventar uma nova. E não era isso que eu estava querendo.
Eu queria mais – eu sempre quero mais. Eu queria caminhar no sol, fotografar borboletas, conhecer ruas, pessoas e animais jamais vistos. Eu queria sentir a temperatura quente fritando meus neurônios, queria sentir o prazer da água gelada descendo agradavelmente pela minha garganta. Eu queria mudar.
Eu queria contar para o mundo o que estava acontecendo. Queria gritar para todos ouvirem o quanto eu estava feliz – e eu realmente estava. Porque eu não tinha mais nada, então não tinha nada a perder.
Tenho apenas minha vida agitada e pouco tempo. Tempo pequeno demais para ser gasto em vão.


Bruna Berri

domingo, 29 de março de 2009


Às vezes, tratamos nosso isolamento com certa afetação. Acendemos um cigarro na penumbra da sala, botamos um disco dilacerante e aguardamos pelas lágrimas. Já fizemos essa cena num final de domingo - tem dia mais solitário? É comum que a gente entre na fantasia de que nossa solidão daria um filme noir, mas sem esquecer que ela continuará conosco amanhã e depois de amanhã, deixando de ser charmosa e nos acompanhando até o supermercado. Suporte-a com bom humor ou com mau humor, mas não a despreze. Permita que sua solidão seja bem aproveitada, que ela não seja inútil. Não a cultive como uma doença, e sim como uma circunstância. Em vez de tentar expulsá-la, habite-a com espiritualidade, estética, memória, inspiração, percepções. Não será menos solidão, apenas uma solidão mais povoada. Quem não sabe povoar sua solidão, também não saberá ficar sozinho em meio a uma multidão.


Martha Medeiros

sábado, 28 de março de 2009


Enquanto não encerramos um capítulo, não podemos partir para o próximo. Por isso é tão importante deixar certas coisas irem embora, soltar, desprender-se. As pessoas precisam entender que ninguém está jogando com cartas marcadas, às vezes ganhamos e às vezes perdemos. Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é.

Fernando Pessoa

Mas se eu tivesse ficado, teria sido diferente? Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais — por que ir em frente? Não há sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia — qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê. Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido.


Caio Fernando de Abreu

quinta-feira, 26 de março de 2009



Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue;outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho...o de mais nada fazer.


Clarice Lispector

quarta-feira, 25 de março de 2009




Não sei o que é pior: conviver com suas duas caras ou com sua indiferença perante a mim. Quem sabe, o pior mesmo seja ele.


Bruna Berri

quinta-feira, 19 de março de 2009

Alguém pode me tirar daqui?


Ontem eu tinha acordado em um dia cinza, mal pintado. Aqueles dias típicos em que não deveria se acordar. Em que se abafa o grito no travesseiro e o coberto te atrai com todas as forças. Dias em que não vale a pena levantar da cama.
Tive um dia péssimo, desprezei semelhantes.
Que diabos eu estava fazendo? Quem eu achava que era para prezar ou não as pessoas por suas aparências?
Estou me tornando fria, orgulhosa, indiferente, adulta. Me sinto culpada por estar tão centrada em mim mesma. Derrotada.
Eu podia ter ficado lá, podia ter oferecido minha mão. Mas eu estava mais preocupada nos segundos passando rapidamente em meu relógio digital do que a maneira em que eu vinha lidando com o mundo. Seca.
Ao anoitecer, sai de casa. Sem destino, sem orientação. Procurando sei lá o que e sei lá quem. Eu não me preocupava com os olhares maldosos/curiosos dos figurantes que reparavam em meu rosto inchado e maneira melancólica de andar. Nesse momento não era uma questão de princípios, eu realmente precisava prestar atenção apenas em mim.
Eu procurava entre as ruas alguém para conversar. Às vezes, quando sinto falta de ouvidos, espirro algumas gotas de um perfume diferente em meu casaco. E quando o vento passa, bagunçando a poeira perturbada das ruas e dançando com as folhas secas, posso sentir o cheiro de companhia.
E foi assim que percebi que o que eu mais sentia falta não era de ouvidos, abraços, ou vozes ao telefone. Era de mim. Eu estava sentindo falta de não me envergonhar por não querer pentear meu cabelo teimoso. Eu sentia falta de não poder me arrastar pelos corredores de um colégio sem que olhares de desprezo caíssem diariamente sobre mim. Eu sentia falta de um armário escuro onde eu pudesse dormir quando as aulas estavam chatas. De um balanço velho. Das cores do mundo. Eu estava sentindo falta das minhas unhas roídas e joelhos ralados. Sinto falta da minha metade esquecida despercebidamente. Sinto uma inveja imensa das crianças, espertas e de roupas sujas. Brincando de ser livre em balanços tortos.


Bruna Berri

domingo, 15 de março de 2009


"As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para outros, os sábios, são problemas. Para o meu negociante, eram ouro. Mas todas essas estrelas se calam. Tu porém, terás estrelas como ninguém... Quero dizer: quando olhares o céu de noite, (porque habitarei uma delas e estarei rindo), então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem sorrir! Assim, tu te sentirás contente por me teres conhecido. Tu serás sempre meu amigo (basta olhar para o céu e estarei lá). Terás vontade de rir comigo. E abrirá, às vezes, a janela à toa, por gosto... e teus amigos ficarão espantados de ouvir-te rir olhando o céu. Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!"

Antoine de Saint-Exupèry

quinta-feira, 12 de março de 2009

Secos em dias chuvosos


Eu vi as gotas de água que caíram do céu rapidamente. Vi nuvens indo embora às pressas, sem malas, sem despedidas. Vi olhares secretos observando tudo quase que despercebidamente. Vi poças de água suja ocupando o meu lugar na calçada. Não devem lembrar, mas passamos pelo mesmo caminho, ainda esperando a chuva passar. As gotas de orvalho ainda pairavam sobre as folhas verdes. Eu ainda costumava falar sem razão.
Mas alguma coisa estava mudada, muita coisa estava mudada. Não usávamos casacos, nem ao menos reclamávamos do frio. Estava quente. Mas por dentro, estávamos ainda mais gélidos, secos. Nós não conversamos mais como costumávamos conversar.
Eu vi de baixo de minha cama minha famosa caixa em forma de coração. Eu odiava fazer isso. Baguncei os envelopes. Abri, olhei, guardei. Morremos.
Morremos porque somos quase estranhos, desconhecidos. Porque eu me preocupava, eu sempre me preocupo. Como se eu tivesse certa participação especial, breve, muito figurada. Penso que a vida é demasiadamente dura, que certas coisas não mudam. Eu estou cansada. Outro passo falso pode me levar à loucura.


Bruna Berri

terça-feira, 10 de março de 2009

Garoto escuro


Eles vinham andando no escuro, todos de preto. O da frente foi o que mais chamou minha atenção. Sua capa longa arrastava pelo chão e balançava seu negro brilhante conforme o vento frio dançava com o tecido pesado.
Ele era seguro de si – eu pensava. Caminhava de cabeça erguida, passos firmes. Os olhares a minha volta acompanhavam todos os seus passos, fiz o mesmo. Parei discretamente em frente a uma vitrine, aguardei.
Conforme ouvia seus passos se aproximando fui perdendo a segurança que tinha em mim, desejando sair correndo. E quando ele já estava bem perto, desviei meus olhos ao seu encontro e o encarei por dois segundos.
Terrível sensação. Havia tanta frieza e maldade naqueles olhos que me fez sentir medo. E ri. Ri porque é isso que faço quando estou nervosa. O segui com o olhar até desaparecer de vista.
Não pude reparar nos detalhes, a lua estava cheia, mas as nuvens a cobriam quase que por inteira. Os postes costumavam falhar.
Desejei ardentemente que ele passasse por mim de novo. Eu queria poder lembrar dos traços de seu rosto. Queria saber se ele gosta de astrologia e matemática. Queria tocá-lo, sentir sua pele fria queimar a minha.
Entretanto, ele era o escuro. O mesmo escuro que eu tanto temia. Que me faz ver monstros nas sombras do vai e vem dos carros na rua. Ver serras elétricas nas hélices do ventilador. Ele era o mesmo escuro que me fez criar o hábito de acender todas as lâmpadas, até mesmo na luz do dia.


Bruna Berri

sexta-feira, 6 de março de 2009


A maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a dor do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana.A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo,o que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro.O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se,o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre.


Vinícius de Moraes

- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!

Distante


Ontem pude vê-lo, de longe. Era escuro, já tarde da noite, mas sua estrutura é inconfundível. Já fazia meses que não o via. Dias que não lembrava de sua existência.
Nós fixamos por 5 segundos, não sei se fui reconhecida... na verdade nem me importo.
Já fazia tempo que havíamos sidos enterrados. Há tempo não existia “nós dois”. Era eu e ele, desunidos. Histórias diferentes, destinos diferentes.
Não lembro ao certo o que nos unia. Nem como chegamos aonde chegamos. Mas lembro que te via passar várias vezes por mim, e pude observar o quanto aquilo me encantava.
Atraia toda a minha atenção, todo o meu sentimento. Me sentia nervosa, agoniada. Não sabia o que falar, se devia falar. E então eu ria, ria de mim, da situação, de você, da vida. Sorria porque não havia palavra nesse mundo que pudesse expressar o que eu sentia ao ouvir sua respiração forte.
Não sei se foram as derrotas, ou o quando me amarguei com a vida, mas hoje trago em mim muita indiferença a tudo e todos. Mas nem sempre foi assim.


Bruna Berri

segunda-feira, 2 de março de 2009


Estou quase sem voz diante da situação. Vejo a luz e o escuro juntos, o tempo todo. Lado A e Lado B. Fogo e água. Mas eu não quero, eu não quero dois lados. Quero um só, quero ter certeza. Quero poder olhar e ter uma resposta convicta. Largar o “eu não sei” do meu cotidiano.
Eu só desejo realmente a verdade. Se não for pedir demais.


Bruna Berri