sexta-feira, 29 de maio de 2009

Incerteza


Eu não entendia nada, nosso jogo era bem escondido. Não falávamos em grego, nem ao menos em latim, mas nossa linguagem era camuflada e enrolada. Não gostávamos de nos expor, mas estávamos tão próximos e tão distantes que isso nos mantinha unido. Eu sabia de tanta coisa, mas não sabia de nada. Como que poderia eu ter certeza? Às vezes penso que a certeza é a verdade, e a verdade não existe. Porque em algum instante, ele sempre acaba mentindo.
E as mentiras sempre me sufocam, sempre me fazem jogar tudo pro alto. Eram elas as donas de meu silêncio, de meu olhar incompreensível. E eu tinha medo que elas nunca acabassem, portanto a hora não chegaria. E ele nem fazia idéia do tempo que eu esperava pela hora certa. Ele não compreendia.
Mas não compreender, para mim, já é um bom sinal. O problema é quando não sentimos...


Bruna Berri

quinta-feira, 28 de maio de 2009


Ele disse que nem um livro de 10 mil páginas me explicaria. Nem um livro de 10 mil páginas... Que diabos de pessoa sou?


Bruna Berri

quarta-feira, 27 de maio de 2009


"É tão difícil falar e dizer coisas que não podem ser ditas. É tão silencioso. Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois? Dificílimo contar. Olhei pra você fixamente por instantes. Tais momentos são meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isto de estado agudo de felicidade."

Clarice Lispector

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Onde ninguém vai me achar.


Eu tinha fome, sede, medo, frio, raiva. Eu tinha raiva. Hoje eu não queria companhia, não queria sorrisos, não queria TV ligada e música no carro. Hoje eu não queria opiniões, não queria gratidão. Hoje eu não estava pra ninguém. Hoje eu não estava para mim.
Mas eu queria minha cama, e um travesseiro abafador de gritos. Eu queria almofadas para soquear até meus braços cansarem. Hoje eu queria pular no vácuo. Queria apagar as luzes, mesmo com medo de escuro.
Eu queria esquecer, esquecer quem fui, esquecer quem sou. Esquecer o mundo, a família, os amigos, meu amor. É por isso que durmo tanto – ou hiberno como diriam os mais íntimos – Bela Adormecida sem beijos para despertar, sem príncipes e cavalos brancos. Eu deito para esquecer, para acalmar os batimentos, esfriar os neurônios. Deito para me esconder da vida, dos medos, dos seres. Deito para os minutos passarem rápido, para que eu não veja o mundo girando e eu aqui, sempre no mesmo lugar.
Deito porque sou medrosa, porque me acostumei em fugir.



Bruna Berri

quarta-feira, 20 de maio de 2009

13




Eu adoro a maneira que ele sorri e o jeito como se veste. Adoro o seu olhar observando o meu discretamente. Mas sem dúvidas, eu o adoro porque é inatingível.
Porque eu nunca vou poder saber se está tudo bem, se sua avó é saudável. Não vou cumprimentá-lo ao reconhecê-lo na rua, apenas olhar para trás quando já estiver distante. Não vou descobrir se ele prefere morango ou uvas, nem a sua cor preferida. Não vou abraçá-lo em seu aniversário. Proibido para mim.
Mas às vezes eu sonho, e quando sonho o improvável acontece. E se o improvável acontece, o inatingível brota em minhas mãos.

Bruna Berri

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Bonecos de solidão



E eu havia esperado tanto por esse inverno e veja só, minhas pernas doem de frio. Esse vento afiado vem abrindo as feridas cicatrizadas. Flores congeladas, detestadas. Portões molhados no meio do caminho e ninguém para derrubar o orvalho. Filmes bons, chocolate quente e cobertores vazios, sem calor para armazenar. Galhos secos. Aleijados. Deformados. O céu cinzento não mudara de cor há dias, até mesmo a lua desistira de brilhar no céu esta semana.
Eu havia esperado tanto por esse inverno e veja só, minhas mãos geladas vão permanecer geladas por um bom tempo. As músicas que aprendi não vão ser apresentadas a ninguém. E vou andar pelas ruas molhadas falando sozinha.
Sozinha, sempre sozinha. Quisera eu não precisar enfrentar mais uma estação na frente de uma tela de cinema, comendo a minha pipoca com cadeiras vazias ao lado.


Bruna Berri

Um busca do pote de ouro


Ela estava realmente feliz. E certamente reservava consigo inúmeras razões para isso. O seu sorriso estava reluzente, enorme. E sentada em um gramado úmido, descobriu o mundo.
Inalava aquele cheiro de chuva fresca e barro molhado, os pingos gélidos da água cristalina escorriam por sua face lentamente, lavando sua alma aos pouquinhos. Seus pés desajeitados balançavam desastrosamente, deslizando sem medo no ritmo de uma dança. Sua doce voz cantarolava músicas inéditas, sem tempo para criar letras e concordâncias, sem tempo para se preocupar com uma imagem.
Ah, a sua imagem... Ela era muito mais que regras de etiqueta, cabelos penteados e uma reputação formada por algum qualquer, ela era a alegria contagiante de várias cores que se entrelaçavam formando uma só menina.
Em suas mãos girava um amado guarda-chuva vermelho. E como ela gostava de vermelho. Vermelho, cor de sangue, cor de vida. Vermelho, cor de maçã, de morango e melancia. Vermelho, cor de boca, cor de fogo, de perigo. Vermelho, a cor da paixão. E como ela gostava daquele guarda-chuva vermelho. Se sentia segura, protegida. Seu amuleto da sorte, companhia preferida.
Ela tinha um céu cinzento e um arco-íris encantador. As sete cores refletiam em seus olhos hipnotizados pelo desejo de não perder detalhe algum. Correu muito para alcançá-las, de braços abertos do tamanho do mundo. Porque ela sabia que em algum cantinho atrás das cores pouco nítidas havia escondido um pequeno baú. Um pequeno baú dourado que guardava todo o seu amor. Por detrás de um arco-íris gigantesco, perto de uma nuvem em forma de girafa e com cheiro de terra molhado ela cultivara seu melhor presente, reservado para o dia em que seu guarda-chuva vermelho não fosse mais assim, tão unicamente seu.


Bruna Berri

domingo, 10 de maio de 2009

Não procure saber onde estou.


Eu precisava sumir por um tempo, um ano ou um segundo. Está na hora de colocar tudo no lugar, entrar em sintonia com o vento de minha janela. Desvirar o mundo caído de cabeça para baixo.
Às vezes é preciso mandar tudo embora, jogar tudo fora. Aí depois se arrepender, e catar as coisas que continuaram intactas com a queda.
Eu precisava descobrir a minha força, ver até onde eu podia chegar, quantos segundos sem respirar. Porque só eu sei o quanto odeio os dias em que nada é suficiente. Em que eu queria chocolate e tenho açúcar. Hoje seria um bom dia para fazer isso, nesse céu envelhecido de inverno, mas eu sempre deixo para depois.
Amanhã eu cumpro todas as minhas promessas, amanhã eu termino de ler meu livro, amanhã eu termino de assistir o filme que assisti pela metade, amanhã eu estudo mais, amanhã eu durmo mais cedo e como uma comida bem gostosa.
Como eu queria acabar com isso!
E como eu podia acabar com isso!
Eu me tinha nas mãos, e podia jogar pra cima ou esmagar com os dedos. Mas esmagar com os dedos é coisa de gigante malvado, e jogar pra cima... é muito mais a minha cara.


Bruna Berri

segunda-feira, 4 de maio de 2009


Ele nunca sabe, ele nunca está aqui.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Por favor, por onde fica "para lá"?


Ele era inexplicavelmente misterioso. Me deixava inquieta, irritada. Justo eu, que tanto preciso de estabilidade. Que necessito ter a verdade nas mãos. Quisera eu ter um pouco de certeza que essa verdade exista mesmo.
Eu queria tudo. Queria seguir seus passos, ler sua mente, adivinhar seus segredos, descobrir suas incógnitas, saber seus filmes preferidos, o número do seu calçado, suas manias escondidas. Mas o que eu mais queria, como mais profundo desejo, era saber se ele me amou, nem que fosse por um segundo.
Porque ele era curiosamente indecifrável, e eu não conseguia arrancar nada, nem uma palavra, nem um segredo, nem um fiozinho de sentimento. Era tudo tão endurecido, tão petrificado, que de tanto insistir no mesmo ponto acabei ralando os dedos.
Eu me sentia estranhamente frágil, insegura, indecisa. Não gostava disso, desse jogo de perguntas sem respostas. Eu tinha tanto a perguntar, tanto a dizer, e eu só precisava de um incentivo. Tanta coisa mal resolvida, tanta coisa que foi deixada para lá.
Ele, ele foi deixado para lá. Ele se deixou para lá. Ele me deixou para lá.


Bruna Berri