terça-feira, 23 de outubro de 2012

O inferno são os outros.



Meu inferno são os outros que penso que existem, mas não sei se estão aqui. Pode ser que você não passe de uma estranha desenhada em uma camiseta. Puro toque de um outro que me tocava – e era tocado – e hoje murcha ao me ver. Tenho medo de negar sua realidade, para não chateá-la – para não chatear-me. Lembro do cabelo negro sobre sua pele branca, translúcida. Lembro do sorriso amarelado, quase cruel. Lembro dos seus olhos amendoados, punitivos. Mas não lembro de suas vestes. Não lembro se seus longos fios eram lisos ou cacheados, mãos grandes ou pequenas, o som de um riso amargurado. Faz tanto tempo que você não aparece que quase não lembro do seu semblante. Você permite que eu pense que meu passado foi um surto, uma alucinação. É isso que me dizem todos os dias e já fazem quatro anos que você não está aqui para me contar quem é que me diz a verdade. Joaquina, você se lembra de mim? Pois não me esqueço de você.

Bruna Berri

segunda-feira, 3 de setembro de 2012


Nessa noite mal dormida o pensamento, por instantes, foi inevitável. Será que se eu estivesse com você estaríamos ambos de saco cheio por acordar cedo na segunda ou morreria junto naquele carro? E se?

quarta-feira, 22 de agosto de 2012





Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende?

(ABREU, C. F.)

quarta-feira, 25 de julho de 2012



"Meu ser é de faca não de flor." C. F. Abreu

quarta-feira, 27 de junho de 2012



Sinto vontade de reencontrar as palavras que perdi não sei bem onde, não sei bem quando, não sei por quê. Às vezes releio e sinto uma leve dor no peito, não choro. Talvez as palavras se foram com as lágrimas. As lágrimas que não choro mais. Há dias, antes de fechar os olhos me questiono se não choro porque sou feliz, eu não sei. Tenho vomitado mais... Palavras, não venham tão rápido assim. Já não tenho toda aquela rapidez dos 14 anos, eu, que não iria jamais crescer, tenho cérebro e corpo de adulto chato. Com 14, me lembraram ontem, eu pausava uma conversa para desenhar bonecos e suas expressões faciais. Hoje, não consigo pausar uma conversa para pensar no que conversar. Eu vomito, constantemente, porque já não tenho forças para pensar no que estou fazendo. Pois não estou. Não consigo me encontrar em minhas palavras porque já não estou em lugar nenhum, já não sou pessoa nenhuma, já não produzo lembrança alguma. Já não sei se é quente ou frio o ar que eu respiro, ou se a comida que como está boa ou ruim. Sinto saudades de ter paz, e conseguir ser triste de vez em quando para poder ser muito feliz às vezes.

Bruna Berri

terça-feira, 27 de março de 2012

Um sopro de vida



Aceitar-me plenamente? É uma violentação de minha vida.Cada mudança, cada projeto novo causa espanto:meu coração está espantado. É por isso que toda minha palavra tem um coração onde circula sangue.

Clarice Lispector

segunda-feira, 26 de março de 2012



Um milhão vezes zero é zero. Ou seja: não coloque sua intensidade onde não tem nada

Tati Bernardi

segunda-feira, 19 de março de 2012

Anafilaxia


Morre. Morre desse jeito, com a cabeça encostada em meu peito. Renasça; segundos depois. Brota como um bonsai bem fertilizado e me dá aquele sorriso que você não sabe repetir nas fotografias. Dorme comigo essa noite, esquentando meu corpo nessa cama tão pequena que inventamos haver espaço para dois. Morre comigo essa noite que amanhã o dia é lindo. Amanhã - quando a sombra do filtro dos sonhos pendurado na janela produzir um mosaico em seu rosto - vou rezar para que você tenha sobrevivido. Por Deus, que eu não tenha te sufocado demais, que eu não tenha apertado demais entre os dedos esse coração que temo tanto perder, que eu não tenha roubado teu brilho por puro egoísmo em desejá-lo só para mim. Por favor, abra os olhos, desliza teu corpo em meu corpo. Morra mil vezes por dia só para me encontrar. Morra. Comigo. Outra vez. Acorde como num choque elétrico em que seu coração desiste, mas é loucamente forçado a pulsar, porque simplesmente ainda não é a hora de ir embora.

Bruna Berri

terça-feira, 6 de março de 2012




"Você poderia me dizer, por favor, qual caminho eu devo seguir?"

"Isto depende muito de onde você deseja chegar - disse o gato."
"Não me importa muito onde..., - disse Alice."
"Então não importa o caminho que você tomar."


Lewis Carroll

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012


 Para viajar basta existir.



Fernando Pessoa

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012



De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.

Fernando Sabino

sábado, 11 de fevereiro de 2012

O amor acaba



O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

Paulo Mendes Campos

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Adeus, Meus Sonhos!



Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh'alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus?
Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!

Álvares de Azevedo