
“A moça e o moço, quando entre si, passavam-se um embebido olhar, diferente do dos outros; e radiava em ambos um modo igual, parecido. Eles olhavam um para o outro como os passarinhos ouvidos de repente a cantar, as árvores pé-ante-pé, as nuvens desconcertadas: como do assoprado das cinzas a esplendição das brasas. Eles se olhavam para não-distância, estiadamente, sem saberes, sem caso. Mas a moça estava devagar. Mas o moço estava ansioso. O menino, sempre lá perto, tinha de procurar-lhes os olhos. Na própria precisão com que outras passagens lembradas se oferecem, de entre impressões confusas, talvez se agite a maligna astúcia da porção escura de nós mesmos, que tenta incompreensivelmente enganar-nos, ou, pelo menos, retardar que perscrutemos qualquer verdade. Mas o menino queria que os dois nunca deixassem de assim se olhar. Nenhuns olhos têm fundo; a vida, também, não.”
“Se eu, se você gostar de mim... E como saber se é o amor certo, o único? Tanto é o poder errar, nos enganos da vida... Será que você seria capaz de esquecer de mim, e, assim mesmo, depois e depois, sem saber, sem querer, continuar gostando? Como é que a gente sabe?”
(Nenhum, nenhuma/ Primeiras Estórias – João Guimarães Rosa)